quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Rodadas de Poema com Ferreira Gullar



De Ferreira Gullar
Poema Sujo – um fragmento: “Velocidades”
Parte I



Mas na cidade havia
muita luz,
        a vida
fazia rodar o século nas nuvens
               sobre nossa varanda
por cima de mim e das galinhas no quintal
               por cima
do depósito onde mofavam
paneiros de farinha
               atrás da quitanda,
                       e era pouco
viver, mesmo
no salão de bilhar, mesmo
no botequim do Castro, na pensão
da Maroca nas noites de sábado, era pouco
banhar-se e descer a pé
para a cidade de tarde
(sob o rumor das árvores)
                 ali
                 no norte do Brasil
                 vestido de brim.


         E por ser pouco
         era muito,
         que pouco muito era o verde
fogo da grama, o musgo do muro, o galo
que vai morrer,
a louça na cristaleira,
o doce na compoteira, a falta
de afeto, a busca
do amor nas coisas.


                 Não nas pessoas:
nas coisas, na muda carne
das coisas, na cona da flor, no oculto
falar das águas sozinhas:
                         que a vida
passava por sobre nós,
                         de avião.

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