quinta-feira, 31 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto

 
A educação pela pedra 
João Cabral de Melo Neto




Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


O poema

João Cabral de Melo Neto

 


A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo.

Que monstros existem
nadando no poço
negro e fecundo?

Que outros deslizam
largando o carvão
de seus ossos?

Como o ser vivo
que é um verso,
um organismo

com sangue e sopro,
pode brotar
de germes mortos?

O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.

É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho,

é de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.

Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.

Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral?



terça-feira, 29 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


Morte e Vida Severina
João Cabral de Melo Neto

— O meu nome é Severino,   
não tenho outro de pia.  
Como há muitos Severinos,  
que é santo de romaria,   
deram então de me chamar  
Severino de Maria  
como há muitos Severinos  
com mães chamadas Maria,  
fiquei sendo o da Maria  
do finado Zacarias...

 
Música: Morte e Vida Severina
Chico Buarque
Narração e imagem
Alunos da III etapa de EJA

segunda-feira, 28 de maio de 2012

João Cabral de Melo Neto sob a ótica das crianças


A Carlos Drummond de Andrade

João Cabral de Melo Neto



Narração: 
Cícero Lima
 Raissa Costa
 Emanuel
João Vitor
 Anderson Bismarque
 Pedro Henrique
 Eric Douglas
Narração e Ilustração: Alunos 4º ano B
Escola Municipal Joca de Souza Oliveira



domingo, 27 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


A Viagem
João Cabral de Melo Neto


Quem é alguém que caminha
Toda a manhã com tristeza
Dentro de minhas roupas, perdido
Além do sonho e da rua?

Das roupas que vão crescendo
Como se levassem nos bolsos
Doces geografias, pensamentos
De além do sonho e da rua?

Alguém a cada momento
Vem morrer no longe horizonte
Do meu quarto, onde esse alguém
É vento, barco, continente.

Alguém me diz toda a noite
Coisas em voz que não ouço.
- Falemos na viagem, eu lembro.
Alguém me fala na viagem.


sábado, 26 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


Questão de Pontuação
João Cabral de Melo Neto


Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.



sexta-feira, 25 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


Catar Feijão
João Cabral de Melo Neto


Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


Rios sem discurso
João Cabral de Melo Neto



Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.



O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloquência de uma cheia

lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


A Carlos Drummond de Andrade
João Cabral de Melo Neto





Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.



Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.



Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.



Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.



Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.


Texto extraído do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 79.


terça-feira, 22 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


A lição da poesia
João Cabral de Melo Neto



Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da ideia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos 
sonhos.

A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com João Cabral de Melo Neto


Tecendo a Manhã
João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã: 
ele precisará sempre de outros galos. 
De um que apanhe esse grito que ele 
e o lance a outro; de um outro galo 
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos 
que com muitos outros galos se cruzem 
os fios de sol de seus gritos de galo, 
para que a manhã, desde uma teia tênue, 
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos, 
se erguendo tenda, onde entrem todos, 
se entretendendo para todos, no toldo 
(a manhã) que plana livre de armação. 
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 
que, tecido, se eleva por si: luz balão.



Biografia de João Cabral de Melo Neto:

João Cabral de Melo Neto (1920 -1999) foi um poeta brasileiro, considerado um dos mais importantes da literatura brasileira e famosa pelo livro “Morte e Vida Severina”.
Nasceu em Recife-PE. Estudou Direito e ingressou na carreira diplomata. Publicou o seu primeiro livro em 1942, “Pedra do Sono”, no qual já mostrava seu estilo poético rígido e uma composição extremamente madura.
Viveu durante um tempo na Espanha a serviço da diplomacia, e lá, adquiriu influência do estilo poético do realismo espanhol. Além da Espanha, viveu também nos EUA.
Em 1992, começa a sofrer de cegueira progressiva, doença que o leva à depressão. Em 1993, recebeu o Prêmio Jabuti, pela Câmara Brasileira do Livro.
Morreu em 1999, vítima de ataque cardíaco, no Rio de Janeiro. 


domingo, 20 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com Uili Bergamin


Soneto à fraqueza minha
Uili Bergamin



Ilustração: Damarcia Santos
Narração: Ivone Lopes
Alunas de EJA III etapa.



enfim passeaste por meus jardins cinzentos
pelo reino tão escasso de meus satélites
és luxuria que morde gritos enluarados
da carne minha trabalhada pela tua falta

em meus olhos devorados pela sombra
a letra velha e extraviada ganha pouso
lágrima antiga gotejando na memória
história errante, bosque prenhe de neblina

maldito coração, maldita minha boca
louca, dura, esses lábios são de inverno
cortam fundo, mais do que o necessário

aí tu chegas com sapatos de vento
e tinge meus lábios de um sorriso bobo
nua e simples, tu tens linhas de lua

sábado, 19 de maio de 2012

Uili Bergamin sob a ótica das crianças

Do útero do mundo

Uili Bergamin




Poema: Do útero do mundo
Autor: Uili Bergamin
Narração: Taíne Letícia e Luísa Gabriela 
Ilustração: Alunos 4º ano B
Professora: Gerlane Fernandes

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Intercâmbio Poético com Uili Bergamin


Intercâmbio Poético entre o poeta Uili Bergamin e o projeto "Aquele Poema"
Realização: 
Professora: Gerlane Fernandes
Alunos: 4º ano B vespertino e EJA III etapa noturno.
Escola Municipal Joca de Souza Oliveira
Juazeiro-BA

Comentários dos alunos 4º ano B vespertino

 Cícero Lima


Jaqueline Rosa


Luísa Gabriela


Raissa Costa


Rayla Islayanny


Taíne Letícia



quinta-feira, 17 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com Uili Bergamin


Quase
Uili Bergamin


a vida é uma sombra errante
o sonho triste dum comediante
que se pavoneia tanto, tonto
caindo sempre, a todo instante
e no minuto que lhe reserva a cena
sonha, se envaidece
chega a dar dó
chega a dar pena
para depois não ser mais ouvido
cair no abismo
para sempre esquecido
é um conto de fadas sem importância
que nada significa
mas que no auge dessa louca dança
no meio frêmito dessa ânsia
faz brotar uma pompa típica
é só um discurso tépido narrado
um canto longe meio mal cantado
por um idiota cheio de lamúria
por alguém que pensa ser algo
por uma voz cheia de medo
e fúria
a vida é uma sombra quase
a vida é um sonho quase
e se a vida é mesmo sonho
os sonhos, sonho
quase

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com Uili Bergamin


Monomelodia

Uili Bergamin




não canto quando quero
mas quando preciso
não quero quando canto
este canto indeciso
meu canto sai insano
embriagado, palpitante
meu canto é de tristeza
estou triste nesse instante
um primor de simplicidade
meu canto, meu coração
quer que eu cante
quer que eu cale
diga logo: sim ou não
e esse nosso ouvido humano
sempre atento, em verdade
ouve a ave desgraçada
cantando para eternidade
esta que perdeu os filhos
e canta igual
como outros dias
canta
pois nada mais sabe
nem outras melodias


terça-feira, 15 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com Uili Bergamin


Nobre amor
Uili Bergamini

 
Poema: Nobre Amor
Autor: Uili Bergamin
Narração: Raissa Costa
Ilustrado por: Alunos 4º ano B


à cavalaria andante não mais pertenço
aposento os sonhos de conquistar o mundo
cinjo-me agora de outros mais sólidos
encontrei o que não há em terra alguma
 
és tu a princesa dos meus encantos
o tempo de espera já se passou
chegou o momento da realidade
que é mais belo que o sonho que tive
 
é com amor infinito que te amo
teu semblante meigo dá-me vida
sejamos almas a comungar
és o céu onde posso chegar

bebemos juntos um despertar idêntico
declarações desafogam minha alma
teus beijos são carícias de vento
que animam meu espírito sedento

por teus olhos subo a torre do castelo
pelos lábios afronto exércitos inteiros
iria ao inferno por teu coração
deixo tudo o que de ti não há nada.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

Rodadas de Poemas com Uili Bergamin


Obstinação
Uili Bergamin
 
pensar incomoda como andar à chuva
quando o vento cresce e
parece que chove mais
não tenho ambições nem desejos
ser poeta não é ideia minha
é apenas uma maneira de estar sozinho
e com todos ao mesmo tempo
mas se desejo, às vezes
por imaginar, ser cordeirinho
ou ser o rebanho todo
perdoem-me, sou falho

procuro esquecer o que aprendi
olvidar a lembrança
do que me ensinaram
e queimar os livros em que escreveram
todos os meus sentidos
então gozar emoções verdadeiras
descobrindo meu ser real
para tornar-me mais humano
e divino

assim vivo e escrevo
ora bem, ora mal
ora acertando o que quero dizer
ora errando
mas seguindo sempre em frente
como um cego teimoso
teimoso em descobrir a luz
só assim serei alguém
pois é exatamente assim que sou
filósofo, poeta, eu
o homem

Uili Bergamin nasceu em Bento Gonçalves- RS, no dia 02 de fevereiro de 1979. Destaca-se por sua escrita concisa, e pela busca das palavras certas, que encaixam perfeitamente ao texto. Bergamin é também colunista em jornais e revistas de circulação em Caxias do Sul e região, já publicou cinco livros, e ganhou mais de trinta prêmios literários a nível regional, nacional e internacional. Suas obras já são  adotadas pelas escolas da cidade e região.

Nesse momento ultrapassa as fronteiras entre a região Sul e o Nordeste do país com um Intercâmbio Poético no projeto “Aquele Poema”.

Para saber mais acesse: