quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Rodadas de Poemas com Adélia Prado



De Adélia Prado
 Agora, ó José


É teu destino, ó José,
a esta hora da tarde,
se encostar na parede,
as mãos para trás.
Teu paletó abotoado
de outro frio te guarda,
enfeita com três botões
tua paciência dura.
A mulher que tens, tão histérica,
tão histórica, desanima.
Mas, ó José, o que fazes?
Passeias no quarteirão
o teu passeio maneiro
e olhas assim e pensas,
o modo de olhar tão pálido.
Por improvável não conta
O que tu sentes, José?
O que te salva da vida
é a vida mesma, ó José,
e o que sobre ela está escrito
a rogo de tua fé:
“No meio do caminho tinha uma pedra”
“Tu és pedra e sobre esta pedra”.
A pedra, ó José, a pedra.
Resiste, ó José. Deita, José,
Dorme com tua mulher,
gira a aldraba de ferro pesadíssima.
O reino do céu é semelhante a um homem
como você, José.
( poema de Adélia Prado )
(Do livro 
Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993. p. 34)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Rodadas de Poemas com Adélia Prado



De Adélia Prado
A serenata


  
Uma noite de lua pálida e gerânios 
ele viria com boca e mãos incríveis 
tocar flauta no jardim. 
Estou no começo do meu desespero 
e só vejo dois caminhos: 
ou viro doida ou santa. 
Eu que rejeito e exprobro 
o que não for natural como sangue e veias 
descubro que estou chorando todo dia, 
os cabelos entristecidos, 
a pele assaltada de indecisão. 
Quando ele vier, porque é certo que vem, 
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude? 
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos 
— só a mulher entre as coisas envelhece. 
De que modo vou abrir a janela, se não for doida? 
Como a fecharei, se não for santa?         

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Rodadas de Poemas com Adélia Prado



De Adélia Prado
Eu te amo



Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe - os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo homem, amo,
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua arma. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu não
ande vaguando atrás dos rebanhos de teus companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.

Biografia





Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em 1936 em Divinópolis, MG. Formou-se em filosofia e foi professora. Poetisa, escreveu também livros de prosa: ‘Solte os cachorros’ e ‘Cacos para um vitral’. Tem ainda trabalhos publicados em revistas, jornais e antologias literárias.
"Para mim, a definição mais perfeita de poesia é: a revelação do real. Ela é uma abertura do real. Ela revela aquilo que a gente não sabe. Isso é que é poesia para mim. Ela me tira da cegueira. Um poema verdadeiro tem esse poder, tanto que você abre um manuscrito de mil anos e a coisa está lá, fresquinha, não tem um grão de envelhecimento. Para mim, experiência religiosa e experiência poética são uma coisa só. Isto porque a experiência que um poeta tem diante de uma árvore, por exemplo, que depois vai virar poema, é tão reveladora do real, do ser daquela árvore, que ela me remete necessariamente à fundação daquele ser. A experiência se revela em palavra. A palavra é a carne da experiência. O nome tem que ser a coisa. A linguagem por excelência desse júbilo é poética. Uma oração verdadeira está ungida de mistério, portanto de beleza – portanto de poesia. Poeta não tem função neste sentido de "utilidade" – ele vai ali, tem a experiência e tal. Eu acho que a poesia é um fenômeno da natureza, igual a tempestade, rio, montanha."
(Frases de Adélia Prado, tiradas da entrevista dos Cadernos de Cultura Brasileira, no número dedicado à poeta, e reordenadas).


Fonte: http://pt.shvoong.com/books/biography/1658104-ad%C3%A9lia-prado-vida-obra/#ixzz2JOjWwq5U