De
Adélia Prado
Eu te
amo
Eu te amo, homem, hoje como
toda vida quis
e não sabia,
eu que já amava de extremoso amor
o peixe, a mala velha, o papel de seda e os riscos
de bordado, onde tem
o desenho cômico de um peixe - os
lábios carnudos como os de uma negra.
Divago, quando o que quero é só dizer
te amo. Teço as curvas, as mistas
e as quebradas, industriosa como abelha,
alegrinha como florinha amarela, desejando
as finuras, violoncelo, violino, menestrel
e fazendo o que sei, o ouvido no teu peito
pra escutar o que bate. Eu te amo homem, amo,
o teu coração, o que é, a carne de que é feito,
amo sua matéria, fauna e flora,
seu poder de perecer, as aparas de tuas unhas
perdidas nas casas que habitamos, os fios
de tua arma. Esmero. Pego tua mão, me afasto, viajo
pra ter saudade, me calo, falo em latim pra
requintar meu gosto:
"Dize-me, ó amado da minha alma, onde
apascentas
o teu gado, onde repousas ao meio-dia, para que eu
não
ande vaguando atrás dos rebanhos de teus
companheiros".
Aprendo. Te aprendo, homem. O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível.
Te alinho junto das coisas que falam
uma coisa só: Deus é amor. Você me espicaça como
o desenho do peixe da guarnição de cozinha, você
me guarnece,
tira de mim o ar desnudo, me faz bonita
de olhar-me, me dá uma tarefa, me emprega,
me dá um filho, comida, enche minhas mãos.
Eu te amo, homem, exatamente como amo o que
acontece quando escuto oboé. Meu coração vai
desdobrando
os panos, se alargando aquecido, dando
a volta ao mundo, estalando os dedos pra pessoa e
bicho.
Amo até a barata, quando descubro que assim te amo,
o que não queria dizer amo também, o piolho. Assim,
te amo do modo mais natural, vero-romântico,
homem meu, particular homem universal.
Tudo que não é mulher está em ti, maravilha.
Como grande senhora vou te amar, os alvos linhos,
a luz na cabeceira, o abajur de prata;
como criada ama, vou te amar, o delicioso amor:
com água tépida, toalha seca e sabonete cheiroso,
me abaixo e lavo teus pés, o dorso e a planta deles
eu beijo.
Biografia
Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em 1936 em Divinópolis, MG. Formou-se em filosofia e
foi professora. Poetisa, escreveu também livros de prosa: ‘Solte os cachorros’
e ‘Cacos para um vitral’. Tem ainda trabalhos publicados em revistas, jornais e
antologias literárias.
"Para
mim, a definição mais perfeita de poesia é: a revelação do real. Ela é uma
abertura do real. Ela revela aquilo que a gente não sabe. Isso é que é poesia
para mim. Ela me tira da cegueira. Um poema verdadeiro tem esse poder, tanto
que você abre um manuscrito de mil anos e a coisa está lá, fresquinha, não tem
um grão de envelhecimento. Para mim, experiência religiosa e experiência
poética são uma coisa só. Isto porque a experiência que um poeta tem diante de
uma árvore, por exemplo, que depois vai virar poema, é tão reveladora do real,
do ser daquela árvore, que ela me remete necessariamente à fundação daquele
ser. A experiência se revela em palavra. A palavra é a carne da experiência. O
nome tem que ser a coisa. A linguagem por excelência desse júbilo é poética.
Uma oração verdadeira está ungida de mistério, portanto de beleza – portanto de
poesia. Poeta não tem função neste sentido de "utilidade" – ele vai
ali, tem a experiência e tal. Eu acho que a poesia é um fenômeno da natureza,
igual a tempestade, rio, montanha."
(Frases de Adélia
Prado, tiradas da entrevista dos Cadernos de Cultura Brasileira, no número
dedicado à poeta, e reordenadas).
Fonte: http://pt.shvoong.com/books/biography/1658104-ad%C3%A9lia-prado-vida-obra/#ixzz2JOjWwq5U