quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Rodadas de Poemas com Elisa Lucinda



O Maior Espetáculo da Terra
Elisa Lucinda

Imagem: José Carlos Costa


O pássaro voa sobre o céu aberto,
várias alturas ousadas alçam muitas aves.
Algumas, riscando o mar
brincam de aeroporto e decolam
nas ondas das águas e dos ares.
Mas há asas e voar não é perigo;
É mais que isso,
voar é no corpo do pássaro
uma forma de pensamento.
Poderia citar todos os animais
e seus lugares de existir
e tudo seria admissível
na linha do seu ir e vir.

Mas o homem não.
Sem garantia, se equilibra
no fio do seu pensamento,
sem que tenha asas, voa,
e sem limite de aventura,
até da natureza caçoa.

Equilibrista,
se apodera dos seus sonhos
e de suas inesperadas iscas
e vai rebolando no bambolê das pistas.
Elabora, passa o mundo em revista,
mas seu conteúdo chora,
porque tem medo do risco.
O risco !
Logo o risco, meu Deus,
que é pai de tantas vitórias
sobre tantos reclames.
Bailarino do arame,
homem que se consome
no erro crasso da mesquinharia,
da mentirosa segurança
de que o mundo é sempre reto
e as coisas, imutáveis, certinhas
e sem alquimias.
Mas diante do susto da mutante verdade,
se equilibra no andaime que construiu
e que sem sua criativa ousadia,
jamais existiria.

Trapezistas de trapézios inusitados,
nos vemos na mão do destino
como se dele não fossemos também autores.
Senhoras e senhores da jornada
geramos no mundo nossa ninhada
e com ela o nosso projeto,
nossa luta,
porém é certo que nos volta com força bruta
o ordinário fato
de não pensarmos no que virá
depois do nosso simples ato.
Porque pertence ao homem a habilidade
de ser sujeito transformador,
de realizar todo dia
o seu show de competência,
engolindo o fogo do orgulho,
se esquivando do atirador de facas,
domando os problemas que rugem
podando o pelos da Dona Insegurança,
essa mulher barbada.

Mas, respeitável público,
o show não pode parar.
Às vezes dói viver,
às vezes dá preguiça de continuar,
quando nos esquecemos
que somos os construtores
do tal arame onde andamos
quando nos esquecemos que somos
o motorneiro, o piloto, o barqueiro,
o motorista e o garoto que gira o pião,
que chuta a bola, que mira o gol,
que gira o leme, que conduz o trem,
o diretor e o ator que apresenta este espetáculo.
Poderoso é o homem com seus esclarecimentos
sobre o evento vida,
poderosa é a vida
sobre o homem que não a tem esclarecida.

Para o homem basta um dia.
Um dia de coragem.
Um dia de luz.
Uma atitude pode mudar
a qualidade do seu trabalho,
do seu cotidiano,
e da sua história.
O seu relógio pode ser o tempo
que não desperdiça glórias,
liberto de auto-piedades,
com faróis que o projetem
para além das idades,
que o homem arquitete pilares
brindando à realidade vindoura,
que a chuva de aplausos ou vaias,
fertilizem novos frutos
seguindo a lógica da lavoura:
o que cresceu?
o que é que eu faço?
o que tenho que molhar sempre?
o que é que eu levo?
o que é que eu passo?
Não disfarço:
O homem é o dono do homem
Deus é cúmplice
no livre arbítrio do picadeiro
desse espaço.


Escolhe o alvo,
o salto
e os movimentos
no desprendimento que precisará
para atirar-se
nos braços do outro,
na confiança no trapezista ao lado.

Mágico, com surpresas únicas na cartola,
com o suprimento intransferível
de ser original e não simples cópia,
reprodução,
papel carbono de mais um animal,
em um segundo ele muda tudo.
De lenço para pombas,
de pequeno para colossal.

Acrobata,
dono do seu corpo no mundo
Malabarista,
com uma civilização de pratos
nas mãos e nos ares,
esse homem escolhe a fera:
pode levar ética ao circo ou
apodrecer preso,
como um mico, e sem ela.

Contorcionista,
se digladia
entre a angústia,
o medo,
a depressão,
a paralisia dos quais
só o seu talento o salvaria
e o salvará:
Ergue-se então este homem flexível
e não mais adia.
Ao contrário,
se apropria de
seus reais valores,
suas oportunidades,
sua criatividade,
sua alegria.

Aqui está o homem:
ave rara de todos os céus,
soberano sujeito de suas possibilidades,
criança sorridente,
domador de seus passos
e ao mesmo tempo palhaço
estendendo seus sublimes braços,
tentáculos no universo,
sobre a lona dessa esfera,
para ser, se quiser,
o maior espetáculo da terra.

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