De Elisa Lucinda
Trato
Imagem: José Carlos Costa
Muito bem, Senhor Acaso, eu não vim lhe perturbar.
Mas que o senhor podia se ajeitar, e fazer em minha vida, já a partir de amanhã cedo, um espetáculo emocional das coincidências.... ah, isso podia! Como? É assim: eu saio de casa perfeitamente bonita sem defeito, sem artifícios e sem esforço (“dia esse que acontece de cem em cem anos”, diz o fantasma de Flávio Cavalcanti que às vezes visita o meu júri e domina o posto). Encontro ele sem querer (ele o amor, bem entendido). E é naquela quitanda da rua de trás que eu nunca entrei porque achava o dono amargo, e por isso duvidava, dedutiva, do gosto de suas frutas. Mas é lá, naquela quitanda. Eu escolhendo bananas. Chegou e foi direto lá porque não queria chegar assim, de mãos vazias, sem ao menos uma penca pra me oferecer. Achei lindo, nós em meio às amarelas dúzias. Lá fora, à tarde, danando de beleza o natural cenário: É rosa-âmbar de outono e o sol cai. Não preciso dizer mais nada. Sem neblina, um nítido encontro com a luz do real entre nós, Ele me beija e diz: “Minhas montanhas agora pertinho de mim, amor esquecido, eu nunca tinha pensado nisso, meu amor gira por você, minha linda negra flor do mar”. E me beija de novo. Pronto. É perna bamba, a fraqueza da carne. Eu já não respiro, pronto, lá estou eu, ainda que sereia, a me afogar. Pois muito bem, Senhor Acaso, é de amor o meu mar, agora é contigo. O roteiro já está pronto. Só falta é gravar. |
Disponível em: http://www.sinprors.org.br/extraclasse/set12/elisa.asp