E agora, Antônio?
Quando saio de casa, sempre levo um livro comigo,
ou um poema, ou um texto curto. Algo que me faça ver palavras. Sim, ver
palavras. Nem sempre tenho necessidade de ler, o que preciso é saber que ali –
a um palmo de distância – existe uma junção de sílabas, uma lógica de letrinhas
prontas para serem lidas.
O grande dilema é saber o que levar. Confesso que
não sou muito criterioso. Parto do princípio de que, se o livro está na minha
estante, é porque eu o comprei. Então, de alguma forma, ele me interessou: seja
pela capa, seja pelo autor, seja por um poema específico, seja pelo impulso que
a sociedade de consumo provoca. Ah, minhas fraquezas!
Não tenho apego ─ minha escolha é aleatória: quem
estiver ao alcance das minhas mãos vem. E, se não quiser vir, eu puxo pelas
orelhas mesmo. Sem dó. Se bem que esses dias o Manuel me negou. Não dei
Bandeira. Estiquei os dedos um pouco mais e Carlos estava lá. Sorte que
Drummond tem sido fiel companheiro e aceita com timidez eufórica os meus
passeios. Saímos de Itabira e fomos a pé até o Arpoador em uma fração de
poemas. Paramos em uma pequena lanchonete para reclamar dos preços abusivos,
reabastecer o fôlego e matar a fome. Eu, carioca, pedi um sanduíche de queijo
minas. Ele, mineirin, quis um carioquinha, o famoso café com um tiquinho
de água quente. Um café mais ralo. Invertemos os papéis. (Os guardanapos?)
Poucas palavras foram ditas; outras tantas foram
editadas pelo silêncio. Quando se é tímido, as frases ficam zanzando pela
cordas vocais do caminho da fala, se arrastam pelo meio-fio e se perdem no céu
da boca de um bueiro que a prefeitura se esqueceu de tapar. Ah, as fraquezas da
cidade!
Depois de um
breve silêncio
inter-calado
com uma longa pausa,
Ele me declamou:
inter-calado
com uma longa pausa,
Ele me declamou:
E agora, Antônio? A criatividade sumiu? O
guardanapo acabou? Não tem mais trocadilho? E agora, Antônio? Não quer mais
beber? A cerveja está mais cara? A barriga não diminuiu? Por que não corre mais?
E agora, Antônio? Quem o compartilha? Quem comenta no seu mural? Quem o curte?
E agora, Antônio? O que você faz é poesia? É desenho? E agora, Antônio?
Já que eu não me chamo Raimundo, não sou uma rima,
muito menos tenho uma solução, me escondi atrás das suas sete faces e voltei
para casa como quem volta para a realidade. Fechei o livro. Torci
para ninguém mais roubar seus óculos.
Pelas lentes da sua poesia, vejo a grandeza do seu
mundo, mundo vasto mundo
e sem beber conhaque − ainda prefiro chope ─ me
comovo com seus versos.
Eu não sou o diabo.
A nossa conversa ficou no meio do caminho.
Tinha um Pedro?
*PEDRO GABRIEL nasceu em N’Djamena, capital do
Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12
anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da
dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação
tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e
sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e
propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”, perfil do Instagram
e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo Antônio,
lançado pela Intrínseca.
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