quarta-feira, 29 de maio de 2013

Rodadas de Poemas com Manoel de Barros



  De Manoel de Barros
“Só dez por cento é mentira”.

 


Só Dez Por Cento é Mentira é um original mergulho cinematográfico na biografia inventada e nos versos fantásticos do poeta sulmatogrossense Manoel de Barros.

Alternando sequências de entrevistas inéditas do escritor, versos de sua obra e depoimentos de “leitores contagiados” por sua literatura o filme constrói um painel revelador da linguagem do poeta, considerado o mais inovador em língua portuguesa.

Só Dez Por Cento é Mentira ultrapassa as fronteiras convencionais do registro documental. Utiliza uma linguagem visual inventiva, emprega dramaturgia, cria recursos ficcionais e propõe representações gráficas alusivas ao universo extraordinário do poeta.

Procurando resignificar às “desimportâncias” biográficas e à personalidade “escalena” de Manoel de Barros o diretor Pedro Cezar, responsável pelo roteiro e pela narração, pontua o filme com momentos de breves testemunhos ao fundo, como fizera em seu primeiro longa metragem, Fabio Fabuloso. Narrado na maior parte das vezes em tom pessoal o filme busca, sobretudo, “uma voz que aproxime-se da simplicidade e da afetividade do personagem e que se afaste da soberba e da pretensão de uma análise teórica sobre poesia no idioleto manoelês”.

Manoel de Barros tem 93 anos, cerca de 20 livros publicados e vive atualmente em Campo Grande. Consagrado por diversos prêmios literários, é atualmente o escritor brasileiro que mais vende no gênero poesia.

Só Dez Por Cento é Mentira ganhou os prêmios de melhor documentário longa-metragem do II Festival Paulínia de Cinema 2009 e os prêmios de melhor direção de longa-metragem documentário e melhor filme documentário longametragem do V Fest Cine Goiânia 2009.

  • Site oficial: http://www.sodez.com.br/
  • Direção e Roteiro: Pedro Cezar.
  • Produtora: Artezanato Eletrônico.
  • Produção Executiva: Pedro Cezar, Kátia Adler e Marcio Paes.
  • Direção de Fotografia: Stefan Hess.
  • Montagem: Julio Adler e Pedro Cezar.
  • Direção de Arte: Marcio Paes.
  • Música: Marcos Kuzka.
  • Depoimentos: Manoel de Barros, Bianca Ramoneda, Joel Pizzini, Abílio de Barros, Palmiro, Viviane Mosé, Danilinho, Fausto Wolff, Stella Barros, Martha Barros, João de Barros, Elisa Lucinda, Adriana Falcão, Paulo Gianini, Jaime Leibovicht e Salim Ramos Hassan
 Fonte: http://www.sodez.com.br/o_filme.htm

terça-feira, 28 de maio de 2013

Rodadas de Poemas com Manoel de Barros



De Manoel de Barros
Oito formas poéticas de curtir as férias




1
Não posso mais saltar na areia que nem um
lambari que escapasse do anzol.
Não posso mais dançar e dar salto mortal nas chuvas.
Não posso mais subir na goiabeira do vizinho
para catar goiaba.
Agora eu passo as minhas férias a brincar com palavras.
Nesse brincar com palavras, posso até atravessar
o canal da Mancha a nado.
Eu posso até escalar o monte Aconcágua.
Posso até namorar a Vera Fischer.
Eu só precisaria para tanto de usar palavras.
Com elas eu praticarei aventuras impossíveis.
2
Agora,
que fazer com essa manhã desabrochada a pássaros?
3
Hoje eu recebi procuração de um pássaro
para abrir a manhã e fechar o anoitecer.
Fiquei amoroso da natureza com essa distinção.
Não sei se vou dar conta.
4
Estou sentado sobre uma pedra na beira de uma garça.
Ao lado de um rio escorre.
Na outra margem do rio, um cavalo pasta.
Atravesso o rio a nado para a outra margem
onde está o cavalo.
Monto em pelo no cavalo e saímos disparados pelos campos.
Essa aventura só posso fazer com palavras
porque palavra aceita tudo.
5
Nas férias, meus sentidos
funcionam melhor do que a inteligência.
Eu vejo e transvejo tudo.
Os perfumes eu chego a escutar.
Dos sons eu apalpo as formas.
Misturo todos os sentidos.
E assim eu salvo as palavras que estejam
fatigadas de informar.
6
Achei entre os índios terenas daqui a maneira
mais bela e poética de nomear as cores.
É assim:
Vermelho, sangue de arara
Verde, sangue de folha
Amarelo, sangue de sol
Azul, sangue do céu.
Então eu acrescentei: branco, sangue das garças.
7
Um menino tinha abundância de ser feliz.
Mas não era nem alegre.
Quando o menino viu aquela árvore afagar
os seus passarinhos, ele ficou bem alegre
e usou sua abundância de ser feliz.
8
O último brinquedo que eu fiz de palavras
é assim:
O céu tem só três letras.
O sol tem só três letras.
O inseto é maior.

Poema escrito por Manoel especialmente para a edição da "Folhinha".

domingo, 26 de maio de 2013

Rodadas de Poemas com Manoel de Barros



De Manoel de Barros
Parrrede!




Quando eu estudava no colégio, interno,
Eu fazia pecado solitário.
Um padre me pegou fazendo.
- Corrumbá, no parrrede!
Meu castigo era ficar em pé defronte a uma parede e
decorar 50 linhas de um livro.
O padre me deu pra decorar o Sermão da Sexagésima
de Vieira.
- Decorrrar 50 linhas, o padre repetiu.
O que eu lera por antes naquele colégio eram romances
de aventura, mal traduzidos e que me davam tédio.
Ao ler e decorar 50 linhas da Sexagésima fiquei
embevecido.
E li o Sermão inteiro.
Meu Deus, agora eu precisava fazer mais pecado solitário!
E fiz de montão.
- Corumbá, no parrrede!
Era a glória.
Eu ia fascinado pra parede.
Desta vez o padre me deu o Sermão do Mandato.
Decorei e li o livro alcandorado.
Aprendi a gostar do equilíbrio sonoro das frases.
Gostar quase até do cheiro das letras.
Fiquei fraco de tanto cometer pecado solitário.
Ficar no parrrede era uma glória.
Tomei um vidro de fortificante e fiquei bom.
A esse tempo também eu aprendi a escutar o silêncio
das paredes.

Manoel de Barros

(No livro Memórias Inventadas, As infância de Manoel de Barros)

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Rodadas de Poemas com Manoel de Barros




De Manoel de Barros





  Uma viagem ao lugar mais fantástico do universo. Poemas de Manoel de Barros. 
Desenhos de Evandro Salles. Video da exposição "Arte para Crianças".



O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira. 

A mãe disse que carregar água na peneira
Era  o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.

 A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

 A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
E até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que escrever
Seria o mesmo que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.