domingo, 5 de julho de 2015

O mundo da Poesia





    Os poemas secretos de Manuel Bandeira


Textos lacrados há 35 anos, arquivados na Fundação Casa de Rui Barbosa, são abertos




MARCELO BORTOLOTI 
Entre os manuscritos de Manuel Bandeira arquivados na Fundação Casa de Rui Barbosa, os poemas abaixo estavam lacrados há 35 anos, e também foram abertos agora por determinação da CGU, depois de um pedido de ÉPOCA através da Lei de Acesso à Informação. Os versos revelam a verve satírica de Bandeira, e expõem disputas e inimizades no meio intelectual da época. O poeta remeteu alguns destes epigramas a amigos próximos, e mais de um deles chegou a circular de mão em mão entre seus conhecidos. Quase 50 anos depois da morte de Manuel Bandeira, já era o momento deles virem a público. Vários dos poemas não têm título.


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Façam-me uma estátua incrível
De algum novo Donatello.
O mais equestre possível:
Eu montado em Mário Melo!


CONTEXTO: Mário Melo foi um historiador e jornalista pernambucano, que morreu em 1959. Famoso defensor dos monumentos históricos do seu Estado natal, ele entrou numa polêmica com Manuel Bandeira na década de 1950. Naquela época, a Prefeitura do Recife planejava erguer em praça pública um busto em homenagem a Bandeira. Mario Melo foi uma das principais vozes contrárias ao projeto, alegando que a lei proibia homenagear pessoas vivas. Bandeira nunca se manifestou publicamente sobre a polêmica, mas nos bastidores escreveu estes versos ridicularizando seu oponente. Quando ele morreu, Bandeira prestou homenagem ao jornalista na Academia Brasileira de Letras, como lembra o historiador Edson Nery da Fonseca.

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Mário Faustino, és de veras.
E se és, Faustino, veado,
Bem poderás ser chamado
Pelos a quem dás ou deras
Ou darás, Faustino amado,
Mário veado de veras!


CONTEXTO: Mário Faustino era um poeta e crítico literário piauiense, que morreu num desastre aéreo aos 32 anos de idade. Ficou muito conhecido na segunda metade dos anos 1950, quando editou uma página literária no Jornal do Brasil, em que publicava poemas de novos autores e também de poetas consagrados. Não há notícias sobre qualquer desavença ocorrida com Manuel Bandeira, embora a posição de Faustino como editor que selecionava o que era ou não publicado no jornal, o colocava em confronto direto com a vaidade dos escritores da época. Por ser um tipo delicado, que não andava com mulheres, pesava sobre ele uma nunca esclarecida fama de homossexual.
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Mulata bonita um dia
Por um mau jeito se peida:
Sua mulata é a Baía;
O peido, Renato Almeida.


CONTEXTO: Renato Almeida foi um pintor mineiro que retratou, entre outras coisas, paisagens baianas. Este epigrama provavelmente circulou entre os amigos de Bandeira nos anos 1920. Em carta a Mário de Andrade de abril de 1927, o poeta fala de sua implicância com o pintor: “Cuidado também com o Renato. Estou convencido que é ruinzinho. Na Bahia vi documentos tristes a respeito dele. E que bobagem ele escreveu sobre a terra, falando na 'sensibilidade de moderno' dele que prefere avenidas e arranha-céus. Quando saiu a entrevista dele (...) fiquei tão safado que desfechei o epigrama. Naturalmente você deve ter lido aí”.
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Capelinha do padre Faria
-Abaixo, abaixo as capelas!
Gritava o padre Faria.
Mas não conta o padre entre elas
A da sua freguesia.


CONTEXTO: O padre João de Faria Fialho nasceu no Estado de São Paulo no século XVII, e foi um capelão que participou de diversas expedições em busca de esmeraldas. Ficou rico explorando ouro em Minas Gerais, e foi figura importante no desenvolvimento de Ouro Preto. A Capela do Padre Faria é uma das igrejas tratadas por Manuel Bandeira em seu Guia de Ouro Preto, publicado em 1938. Este parece ser um epigrama de temática histórica, sem justificativa para ter sido lacrado com os demais.
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Como deve chamar-se o que sublima
Sua pérfida pessoa e as mais difama?
É Sílvio Julio de Albuquerque Lima
Ou Sílvio Julio de Albuquerque Lama?


CONTEXTO: Sílvio Julio foi historiador e professor universitário dedicado ao estudo da América Latina. Foi contemporâneo de Manuel Bandeira na Faculdade Nacional de Filosofia, quando dava aulas de História da América, enquanto Bandeira era professor de Literatura Hispano-Americana. Como os temas eram próximos, é possível que os dois convivessem no ambiente acadêmico, nem sempre de forma harmoniosa, como deixa claro o poema.
Além dos poemas de Manuel Bandeira, entre os documentos revelados nesta semana, está uma carta do amigo do autor e escritor Mário de Andrade. Ela é o primeiro texto divulgado no qual Mário de Andrade refere-se aos comentários sobre sua homossexualidade (leia a carta de Mário de Andrade). Parte da correspondência há havia sido divulgada por Bandeira, mas a parte sobre a homossexualidade fora suprimida.